Quando eu era pequeno, aprendi, na escola, com os
professores de história e geografia do colégio público em que ingressei aos 10
anos e saí aos 17, que o Brasil errou ao preferir o modelo rodoviário ao
ferroviário.
Aos 10 anos, fazia pouco sentido. Minha mãe tinha um carro
velho - comprado de um tio também velho - e trânsito era coisa que, no Rio, só
se via em feriadão nas estradas, ou, na então menos célebre avenida Brasil, que
em dias de chuva, ou, no horário do rush fazia-se de a distância mais longa
entre dois pontos.
As desculpas dos professores para preferirem trem e metrô a
ônibus e carro eram obviamente derivadas da posição de esquerda festiva que
podia então existir e da qual eu, obviamente, não podia partilhar - pobre comunista é complexo, um que pegue trem então, mais ainda. Desde os 6
anos de idade, morara em bairro servido por trens e ônibus e, naquele tempo, as
composições que faziam longos e demorados trajetos entre localidades de nomes duplos, que o poder
público sequer lembrava que existiam, circulavam com portas abertas, mendigos e
suas necessidades biológicas, animais e, também, eram conhecidas por serem muitas
vezes o destino final dos inimigos da ordem pública da virada 80-90, os
surfistas ferroviários - os bicheiros, então, já ocupavam um ponto mais abaixo nesta escala da cadeia alimentar e sustentavam escolas de samba, políticos, policiais, clubes
de futebol, centros comunitários, associações de moradores, pequenos negócios,
além da enorme lista de pessoas que, sem humildade qualquer e sem o menor medo,
pegava algum na caixinha do bicho.
Além disso, os professores bolcheviques do colégio público
de então listavam como vantagens do sistema de trens e metrôs os menores gastos
com manutenção - óbvios no estado físico que agravava os emocionais de cada um
de nós, os locomovidos a solavancos do subúrbio longínquo ao centro do Rio - e a
maior velocidade de deslocamento - dado que não havia possibilidade de
engarrafamentos, já que a cancela do trem fecha para sua passagem com prioridade a todos os outros
meios de transporte, não o contrário. No caso do metrô, que demoraria ainda mais
15 anos para chegar às redondezas da casa onde morei e do qual seria usuário contumaz,
porém involuntário, cancelas e paradas sequer existiriam. Aparentemente, o que faz
hoje o Metro-Rio ao anunciar interrupções no tráfego é pegadinha.
A contar ainda, havia, é claro, um menor número de acidentes: colisões entre
trens eram impossibilidades estatísticas na Flumitrens de então, as entre
carros e trens, ocorrências causadas por distrações fatais ou problemas
mecânicos em latas velhas como a que permitia a nós, mais uma família suburbana
dona de uma Brasília com idade suficiente para votar - e esta atividade era
significativa naqueles idos anos do retorno democrático e de campanha para o
Darcy Ribeiro e contra o Moreira - passeios à praia, nas folgas dos fins de
semana em que não era necessário fazer os salários escorregadios comportarem os
voláteis preços das compras do mês - inflação daquele tipo deixa marcas nada
saudáveis e pouco saudosas.