Tuesday 17 June 2014

Animália

Todo debate de internet tem uns tipos meio como os loucos de palestra: aquelas figuras que, quando o mediador abre para perguntas, pedem a palavra - em casamento de longa duração, que fique claro - e fazem comentários cuja relevância e proximidade com o tema do seminário fazem os participantes se perguntarem se tinham dormido durante os momentos em que aquele assunto foi abordado. Repare, num congresso de cardiologia, sempre haverá um senhor no fundo da sala, que além de ser cardiopata, sabe que a Nasa já tem a cura do câncer - eles apenas não divulgam. 
É através da química quântica, aliás.
Cabe, portanto, em qualquer palestra, olho clínico ou clarividência do mediador ao escolher quem fará perguntas. Ou estabelecer que questões serão por escrito. E com inscrição e entrevista prévias de antecedentes.
Nos debates muito polêmicos, hoje em dia sediados principalmente nas redes sociais, os tipos se multiplicam e mimetizam alguns comportamentos socio(páticos?).
Tem o historiador de facebook. O camarada é capaz - talvez com ajuda da wikipedia - de citar a escalação da seleção iugoslava de 44 que disputou amistoso em Berna contra um combinado da Westfália como prova cabal de que não foi o Zagallo o inventor involuntário do 4-3-3. Ele também em geral lembra que tudo que aconteceu hoje - a queda das ações da bolsa em abril, de um prédio, a morte por overdose de uma atriz ou o silêncio dos meios de comunicação sobre a matéria da Economist que acusa a Globo de monopolista - como reflexo do passado distante, do qual não nos lembramos, mas sabe-se, os livros guardam registro.
Tem ainda o gozador infatigável. Ele é o comentarista do caos de posts alheios. Seu objetivo é claro: não perder uma piada que só ele viu - e provavelmente só ele vai achar graça. Olhos ávidos e febris, ele observa a timeline em busca do espaço para inserir a frase curta da qual só ele rirá. Mas alguém com senso de humor elevado ou ferino como o dele também curtirá. 
Nas discussões longas, em que minuto a minuto debatedores trocam farpas e insultos a torto e a direito, sempre surge o compartilhador solidário. É sobretudo o camarada que diz pouco, sempre de forma enigmática, ao compartilhar um post com um texto imenso na discussão ríspida e, que ele espera que, obviamente, acalme os opostos.
Há ainda os crentes na bondade, parcimônia e justeza do debate de internet. Estes, em geral, só estão ali para apaziguar ânimos com relativizações diversas: "que isso, gente, calma. Todo mundo sabe que trabalho escravo é bom para ambas as partes... Relativizem". É sobretudo um camarada que acredita que se pode ser leninista e a favor do livre mercado ou que o Antônio Carlos Magalhães e o PC Farias no fundo eram bons sujeitos. Há sempre espaço para relativização.
Há ainda nesta ecologia da rede o cão raivoso. Ele é virulento, nem sempre de direita, há os canhotos, mas fiel à sua ideologia como o pitbull o é ao seu dono. É capaz de atacar um post sobre reumatismo na terceira idade com ideias sobre como a mais valia é um acessório burguês na consecução da revolução comunista - não é um camarada sempre muito por dentro da ideologia que segue. Cachorros, afinal, são fiéis a seus donos. Mesmo quando o dono é digno de cocô no sapato e mordida no calcanhar.
E além destes há o Bolsonaro e sua genealogia. Seus defensores - asseclas? devotos? - são capazes de defesas do indefensável e em geral sentem saudade do que nunca conheceram - muitos jovens Bolsonaristas sentem a ausência hoje da ditadura que não conheceram. É Renato Russiano: aquela saudade que eu sinto de tudo que eu ainda não vi. Eles esquecem da parte do espelho e do mundo doente.
O rol de tipos humanos na internet segue padrões semelhantes ao mundo real e que a gente enxerga também através dos próprios princípios. Há aqueles que escrevem muito - questão de opinião, diria, este camarada que vos digita -  há os voyeurs - observam, tiram proveito e não sabemos nunca o que pensam. Há os que nunca escrevem, não compartilham, não perguntam, não se engajam, talvez nem saibam ler. Mas um dia decidiram que era hora de ter uma conta em uma rede social. 
Há os que compartilham os segredos escondidos da internet: cura de todas as doenças com erva desconhecida da amazônia, conspiração mundial contra ele próprio, interesses escusos e invisíveis em todas as transações humanas, o inferno já está na terra. Nada que precise de senso crítico ou de pesquisa para saber se o que se diz é verdade. Ter aquela informação ou como ela chegou a ele é o de menos. Basta saber que a mídia tentou acobertar, ninguém falou porque o motor movido a bafo de recém nascido canhoto acabaria com a indústria de petróleo. E não é dos interesses deles. 
Deles quem? Deles! 

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