Tuesday 5 August 2014

Quando eu era pequeno, aprendi, na escola, com os professores de história e geografia do colégio público em que ingressei aos 10 anos e saí aos 17, que o Brasil errou ao preferir o modelo rodoviário ao ferroviário. 

Aos 10 anos, fazia pouco sentido. Minha mãe tinha um carro velho - comprado de um tio também velho - e trânsito era coisa que, no Rio, só se via em feriadão nas estradas, ou, na então menos célebre avenida Brasil, que em dias de chuva, ou, no horário do rush fazia-se de a distância mais longa entre dois pontos. 

As desculpas dos professores para preferirem trem e metrô a ônibus e carro eram obviamente derivadas da posição de esquerda festiva que podia então existir e da qual eu, obviamente, não podia partilhar - pobre comunista é complexo, um que pegue trem então, mais ainda. Desde os 6 anos de idade, morara em bairro servido por trens e ônibus e, naquele tempo, as composições que faziam longos e demorados trajetos entre localidades de nomes duplos, que o poder público sequer lembrava que existiam, circulavam com portas abertas, mendigos e suas necessidades biológicas, animais e, também, eram conhecidas por serem muitas vezes o destino final dos inimigos da ordem pública da virada 80-90, os surfistas ferroviários - os bicheiros, então, já ocupavam um ponto mais abaixo nesta escala da cadeia alimentar e sustentavam escolas de samba, políticos, policiais, clubes de futebol, centros comunitários, associações de moradores, pequenos negócios, além da enorme lista de pessoas que, sem humildade qualquer e sem o menor medo, pegava algum na caixinha do bicho.

Além disso, os professores bolcheviques do colégio público de então listavam como vantagens do sistema de trens e metrôs os menores gastos com manutenção - óbvios no estado físico que agravava os emocionais de cada um de nós, os locomovidos a solavancos do subúrbio longínquo ao centro do Rio - e a maior velocidade de deslocamento - dado que não havia possibilidade de engarrafamentos, já que a cancela do trem fecha para sua passagem com prioridade a todos os outros meios de transporte, não o contrário. No caso do metrô, que demoraria ainda mais 15 anos para chegar às redondezas da casa onde morei e do qual seria usuário contumaz, porém involuntário, cancelas e paradas sequer existiriam. Aparentemente, o que faz hoje o Metro-Rio ao anunciar interrupções no tráfego é pegadinha. 

A contar ainda, havia, é claro, um menor número de acidentes: colisões entre trens eram impossibilidades estatísticas na Flumitrens de então, as entre carros e trens, ocorrências causadas por distrações fatais ou problemas mecânicos em latas velhas como a que permitia a nós, mais uma família suburbana dona de uma Brasília com idade suficiente para votar - e esta atividade era significativa naqueles idos anos do retorno democrático e de campanha para o Darcy Ribeiro e contra o Moreira - passeios à praia, nas folgas dos fins de semana em que não era necessário fazer os salários escorregadios comportarem os voláteis preços das compras do mês - inflação daquele tipo deixa marcas nada saudáveis e pouco saudosas.

Hoje, não pego mais trem. Também não tenho carro. Mas estavam errados aqueles mestres vermelhos do colégio público - todo professor de história é meio comuna. Metrô tem engarrafamento, trens colidem, seus usuários são chicoteados pelos seguranças e, se não há mais os surfistas de trem, animais nos vagões, nem mendigos e suas necessidades, há as cantorias das religiões de pobre, há o biscoito globo vendido clandestinamente - vejo vantagem - e há composições que, se não andam com a porta aberta, quando lotadas no verão, são ferramentas de perda de peso compulsórias. Que saudade da Brasília.