Tuesday 1 July 2014

Eu queria ser de direita

Eu queria ser de direita. Acordei um dia e tinha certeza que era a hora. Fui à padaria, pedi pão francês, três, com dinheiro de sempre e descobri que só dava para comprar dois. Maldito governo que deixa que a gente pague mais caro no pãozinho de manhã. Se o mundo fosse de direita, duvido que isso acontecesse. Preços livres não sobem.
Comi dois pães, reclamei do governo, reclamei do português da padaria que ficava aumentando o preço do pão e reclamei de novo do governo que deixava que ele lucrasse em cima de mim.
Eu queria ser de direita, e depois do café, com dois e não três pãezinhos, saí de casa para a faculdade em que eu estudava. Peguei ônibus e fiquei puto. Vi que os moleques do colégio municipal entravam sem pagar - o governo acha que as pessoas que estudam numa escola assim, desafortunadas que já são, têm direito à passagem gratuita. Inacreditável.
Eu também não pagava faculdade, mas pagava o ônibus, que só não tinha aumentado por causa dos protestos que eu tinha ido, e pagava plano de saúde, porque o governo não me garantia que caso eu ficasse doente não parasse no Sus.
Lembrei disso e reclamei. Já eram duas, hospitais e pãozinho mais caro. O Governo culpou a Argentina que não dava conta da demanda de trigo, o que aumentava o preço da farinha, que aumentava o do pãozinho. Reclamei da demanda, do preço, da Argentina, do Governo, da inflação, do pãozinho - comecei a achar ruim - do hospital e do plano de saúde - que também ia aumentar o preço, eu sabia.  
Entrei na faculdade com a certeza que ia ser aquele o dia para ser de direita. Já tinha visto que o governo que não produzia trigo deixou o português repassar o aumento do preço da farinha da Argentina para o pão francês que eu como todo dia. O salário, todo mundo sabe, não aumenta nunca - eu não trabalho, mas meus pais sim. 
E tinha o plano de saúde, que meu pai paga, porque o governo não tem hospital decente. É demais. Ele ainda paga um monte de imposto, vê se na Suécia, na França é assim. E ainda estudo em uma faculdade pública - que não tem computador nem ar condicionado.
Depois da segunda aula, que matei tomando cerveja no bar da faculdade - caro, uma cerveja a 8 pila - culpa do dono, aquele espanhol safado, com aquele cabelo sebento - eu já era de direita.
Na aula de história do colégio, aprendi que a gente chamava de direita quem sentava à direita na assembleia nacional, na primeira fase da revolução francesa - eu era bom em história, por isso fiz comunicação. Era uma galera que já tinha ideias de livre mercado, livre iniciativa, acreditava que a burguesia, e não a realeza, conduziria a França a um destino melhor, com igualdade, liberdade e fraternidade. Ou algo assim. A realeza era tipo o governo.
Todo mundo na França pagava impostos altos para sustentar o Rei que não fazia nada. É tipo o governo, só que hoje tem mais corrupção.
Então eu sabia, eu era de direita. O governo só me atrapalhava.
Depois de umas cervas, de enganar o otário que trabalhava no balcão dizendo que bebi só duas, fui no shopping ver o preço do novo vídeo game que eu queria comprar. Sabia, olha lá, muito mais caro que nos Estados Unidos. Vou ver quanto que é na internet. Ah, lá fora é metade do preço. É uns 700 dólares. Dá para trazer na mala tranquilo, é só dar sorte na alfândega. 
Aqui, eu sabia, custa muito mais por causa do imposto que o governo cobra para custear a mordomia dos políticos. Se não, por que é tão caro? Aliás, aqui tudo é caro, a inflação que o governo não controla só faz meu pai reclamar. E eles mentem, você vai no supermercado, no bar, na loja de roupa, tudo é caro, cerveja gringa é carão, cinema, tudo é caro aqui. Nem saber controlar o preço o governo sabe.
Não entendo como tem tanto mendigo na rua com tudo tão caro. Qualquer um ganha dinheiro fácil nesse país. Meu pai reclama que a empregada hoje só quer trabalhar 8 horas, que o pintor cobrou uma nota para fazer dois cômodos pequenos e que nem vai dar para viajar para fora este ano - tudo está caro. Deste jeito vou ter de pedir alguém para trazer o vídeo game.
Eu acordei de manhã e decidi ser de direita. Ao longo do dia fui ficando puto com o governo que deixava a Argentina entregar pouco trigo, que fazia a farinha de fazer pãozinho ficar cara, custo que o português da padaria repassava para o preço que me fazia comprar dois e não três pãezinhos. Depois fiquei nervoso com o preço da cerveja na faculdade - deve ser feita de trigo - com os moleques entrando pela porta da frente do ônibus porque estudam em colégio público - eu estudo em faculdade, devia ter esse direito - com o plano de saúde que meu pai pagava e tinha fila e ia aumentar a mensalidade, com o preço do vídeo game, com o pedreiro que cobrava caro, com o mendigo que perdia tempo e não ficava rico vendendo tudo que estava caro - e com tanto emprego aí - com o governo que congelava os preços deixando tudo caro, com o preço de viajar, com a empregada que não quer trabalhar depois das seis, com o garçom do bar da faculdade que não acreditava que eu tinha tomado duas em vez de quatro cervejas - se ele fosse bom de matemática, não trabalhava para aquele espanhol de cabelo sebento.
Naquele dia, eu decidi ia ser de direita. Só precisava saber o que fazer com isso.

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