Thursday 10 July 2014

Nihon, Deutstchland, Brasil

Nos dias 6 e 9 de agosto de 1945, a mando do presidente Harry Truman, os EUA despejavam duas bombas nucleares sobre as cidades japonesas de Hiroshima e Nagasaki. Fat Man e Little Boy, os dois únicos artefatos nucleares a serem detonados em cidades povoadas em toda história humana, selaram o destino da Guerra que se arrastava desde 39 e que culminaria em um novo alinhamento do mundo, agora sob uma ótica bipolar. 
Quase 70 anos depois, algoz e vítima são aliados geopolíticos, têm agendas comuns que se iniciaram na ocupação norte-americana do arquipélago nipônico e transformaram a história americana e japonesa de forma definitiva. Uma das principais colaborações entre nipônicos e yankees foi o Plano Colombo, uma versão do plano Marshall, que consistiu de uma série de empréstimos em moeda americana a ser utilizada na reconstrução dos países arrasados pela Guerra. As primeiras sacas de dinheiro chegariam ao Japão nos anos 50 e permitiram o lento e gradual remodelamento da economia japonesa.
É das coisas mais complexas de entender os motivos que levaram o Japão desistir de seu imperialismo local e militarista, que teve efeitos que ainda são sentidos no rancor regional cultivado por seus vizinhos. É tarefa complexa entender como se tornar o maior - e talvez único - aliado de quem matou parte de sua população com o uso de uma tecnologia desumana e que condenou, em um país de território relativamente modesto, mas de população razoavelmente grande, extensões de terra e estruturas produtivas significativas à desocupação. 
A resposta não é simples mas tem a ver com o entendimento pelos japoneses de que este - a aproximação com os EUA - talvez fosse o melhor caminho a se seguir. A ocupação militar do Japão pelos americanos e a dissolução das forças militares locais também podem ter contribuído nesta compreensão. A ajuda financeira e os projetos de investimento na economia do país antes aliado de Eixo também são boas fontes de auxílio na resposta à pergunta proposta: como tornar-se amigo de quem te fez tão mal? 
Depois do jogo entre Brasil e Alemanha começaram a pipocar na internet mensagens carinhosas dos algozes da tragédia do Mineirão. Muitos jogadores e a própria federação alemã de futebol, ao verem o estrago na moral dos brasileiros pós-7x1, postaram frases motivacionais, afagos eletrônicos diversos, mensagens que buscavam reparar ou amenizar um pouco do impacto causado pela partida que pode ter redefinido o futebol brasileiro.
Se as bombas sobre o Japão levaram à rendição incondicional dos asiáticos e ao plano Colombo, bem como a ocupação pelos EUA levaram o país a um novo patamar industrial, econômico e financeiro - não sem muito esforço próprio, diga-se - as mensagens dos jogadores germânicos foram auxílio ao destroçado emocional nacional. Com a vantagem que não demoraram quase 5 anos para serem recebidas. 
Este plano Colombo, talvez mais bem apelidado de plano Müller, ou Schweinsteigner, ou ainda Löw, talvez não nos traga conforto emocional e uma recomposição da até então elevada moral tupiniquim. Mas, talvez, como no caso japonês, possamos aprender com os alemães como modernizar em termos táticos, técnicos, políticos e financeiros o esporte mais praticado no País, bem como transformar o tirânico ambiente futebolístico nacional - que se não é causa do fracasso, nunca contribuiu para o sucesso - em uma estrutura mais produtiva, que respeite as tradições e a cultura nacionais, sem perder o olhar no horizonte futuro, nas inovações técnicas, e que fuja da criação de problemas insolúveis que sempre foram apontadas como raízes dos insucessos do futebol por aqui, e que foram usadas como desculpas eternas para a estrutura desigual e deficitária de clubes e federações.
À semelhança de muitos diagnósticos sobre nossas derrotas - sempre velozes, insolúveis - a mitologia moderna japonesa sempre criou ameaças externas que destroçavam o coração de grandes cidades daquele país e sugerem ainda que remotamente o trauma das bombas que caíram naqueles dias de agosto de 1945. Talvez, em todas as nossas derrotas ecoem ainda o silêncio de 50, ou choro de 82. Alternamos, por aqui, entre a euforia insana e o desespero raivoso, sabe-se.
Pense em todos os seriados de nossas infâncias. Tóquio era destroçada semanalmente e talvez fosse a cidade onde nenhuma seguradora no mundo quisesse abrir filais - falência certa à espera. No entanto, estes monstros da mitologia japonesa nunca impediram a busca da solução de problemas pontuais e do aperfeiçoamento da estrutura produtiva daquele país e de seu avanço. O medo da ameaça externa é componente essencial, aliás. Com tudo isto, a sociedade japonesa, embora ávida consumidora de elementos da cultura ocidental - sobretudo da norte-americana - manteve em seu cerne elementos fundamentais e históricos pertencentes à alma do país que acorda antes de nós irmos dormir. O Japão não deixou de ser Nihon no pós-1946. Apenas aprendeu a ser uma pátria mais harmônica com o avanço humano.
Talvez nosso trauma de 2014 seja o ponto de divisão entre um país feudal em sua estrutura futebolística, atrasado técnica e tecnologicamente, seriamente dependente de financiamento público do seu esporte preferido e a revolução que se diz ter sido operada na Alemanha a partir de 2006. Talvez assim como a turma do leste asiático, possamos com ajuda de alguém que hoje dispõe de caminhos mais avançados e à frente deste País em tantos campos - e não apenas naquele delimitado por 4 linhas - aprender com nossos erros, crescer e, respeitando nossa cultura - fonte de nossa identidade maior, o esporte que nasceu inglês e vive por aqui - nos tornarmos melhores futebolistas brasileiros. 
À semelhança do esforço japonês pós-1945, que pouco tempo após o trauma decidiu seu caminho à frente para os 70 anos que se seguiriam, também podemos nos recuperar. Haverá outras Copas e a tragédia de BH pode, com o perdão da comparação rasteira, ser nossa Hiroshima. O que faremos dela, no entanto, pode ser à semelhança do que fez o Japão. O plano Müller já está aí, aliás.

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