Tuesday 10 March 2015

Inflação e Selic - 101

O noticiário tem reverberado as previsões do mercado financeiro a respeito do comportamento de juros e inflação mais à frente. As notícias parecem nada alvissareiras. O difícil é compreender de onde vêm e o que significam.

Em primeiro, de onde vêm as previsões do mercado? Em geral, de pessoas que lidam com o mercado financeiro cotidianamente - agentes que por exemplo estudam o comportamento da economia, bancos, grupos de investimento, empresários, gestores. 

Dois, por que o futuro não parece animador? A principal razão é que, nas consultas às pessoas que lidam diretamente com o mercado, o sentimento é o de que os que têm recursos sobrando cobrarão maiores retornos para emprestar dinheiro aos que não têm. E isso tem sido demonstrado nas previsões de juros futuros. Há ainda o aumento continuado das previsões da inflação deste ano por estes agentes.

O que as taxas de juro futuro têm a ver com inflação?

Há duas respostas, uma óbvia: os agentes que emprestam dinheiro querem retornos acima da inflação esperada. Isto faz com que com o aumento dos preços sobem os retornos esperados, logo os juros. E há outra não óbvia: o aumento dos juros tem poder sobre a inflação.

Como isto funciona?

O Banco Central é quem tem capacidade de emitir moeda no Brasil e controlar o seu emprego na medida em que controla a principal taxa de empréstimos no País, a que regula parte do financiamento público. E, avaliando os retornos cobrados pelos agentes do dinheiro emprestado, estipula nova taxa. Isto funciona através de um mecanismo simples porém sofisticado.

Governos precisam de recursos para suas despesas. Parte deles vêm dos impostos pagos. Outra parte pode ser obtida junto aos agentes privados que têm dinheiro disponível. Quando precisa se capitalizar, o Tesouro emite títulos que são comprados por agentes econômicos variados - fundos de pensão como a PREVI, bancos comerciais, empresas. Como prêmio pela compra, fixa-se uma taxa que valoriza o dinheiro pago e que compensará o emprestador, quando for feito o desconto do título, após o período estipulado de capitalização. Ou seja, ao comprar um título, o vendedor se compromete com uma rentabilidade futura do dinheiro empregado na compra .

Há vários tipos de títulos, alguns são remunerados pela taxa SELIC. Mas essa indiretamente ou diretamente influencia todas as outras.

As mudanças de remuneração na SELIC, o aumento ou queda da taxa de juros, acontecem toda vez que o Banco Central considera que o valor pago não é adequado aos objetivos que têm quando negocia os títulos.

Estes propósitos variam. Se o Bacen crê que a inflação está acima do ponto que deveria, de acordo com as metas que estabelece para economia e com as observações que faz, normalmente, ele anuncia um aumento da SELIC. Este aumento tem por objetivo diminuir o volume de dinheiro disponível no mercado, enfraquecendo a inflação. Funciona de maneira simples. 

Ao aumentar os juros, os prêmios dos títulos oferecidos pelo Tesouro para financiamento do Governo se tornam mais rentáveis. Assim, haverá mais investidores que consideram uma boa opção a compra de títulos e haverá um incentivo maior a troca de moeda na mão do público - dos agentes - por estes títulos. 

Na prática, haverá também menor quantidade de moeda na economia como um todo. Haverá menos valores para investimentos - por exemplo abrir um negócio - para o consumo - o dinheiro vira título e só retorna ao agente após o período de capitalização - e também para empréstimos. Desta forma, o aumento da Selic enxuga a quantidade de dinheiro disponível na economia, desaquecendo a atividade. O efeito esperado é a diminuição da inflação - menos gente consumindo, menores investimentos, logo, menor pressão da demanda por bens e serviços o que, dada a mesma oferta, permite a desaceleração dos preços. 

Ao mesmo tempo, porém, os aumentos da taxa SELIC implicam em maior endividamento - ou compromissamento - do Tesouro com os agentes que trocaram seu dinheiro por títulos. Eles deverão receber maiores retornos pelo empréstimo nos juros fixados. 

Isto depende também dos tempos de retorno dos títulos. Os de prazo mais curto - que são em grande parte o perfil da dívida pública nacional - têm impacto mais profundo das contas, pois toda vez que a SELIC é reajustada parte substancial deles é trocada por títulos mais novos e mais caros, o que aumenta o endividamento de curto prazo do Tesouro.

Efeitos da SELIC:

Se a SELIC é reduzida, o contrário acontece. Os agentes têm incentivos menores a reterem títulos e tendem a procurar outras atividades mais rentáveis para serem empreendidas com os recursos que têm disponíveis. 

Dessa forma, ao contrário do que se parece sugerir, endividamento não causa inflação. Há uma conjunção específica de fatores que levam ao aumento ou diminuição da inflação. Para que aconteça uma aceleração dos preços é necessário que o aumento do gasto público, ou do endividamento, incida diretamente sobre a capacidade da economia de demandar bens e serviços e que o aumento não incentive o crescimento da oferta, quando os preços tenderiam a variar menos ou não variar. 

Ou seja, para que haja inflação derivada do aumento do endividamento é necessário que a economia já esteja em um ponto de capacidade máxima da oferta de bens e serviços. Economistas, em geral, falam sobre pleno emprego como uma condição fundamental para que o aumento do gasto público implique em inflação, isto porque é preciso algum emprego de mão de obra para a produção dos bens ou a prestação dos serviços. Se há escassez de mão de obra, pela interação entre oferta e demanda, os salários podem subir, fazendo com que os preços sejam reajustados para acompanhar o seu aumento.

As críticas sobre a extensão das medidas tomadas pelo Governo Dilma no primeiro mandato normalmente ficam neste ponto, ou seja, de que ao desonerar e promover um aumento da demanda através do crescimento do gasto público, incentivou-se ou alimentou-se o processo inflacionário. É uma forma de analisar e entender a inflação recente, embora não seja a única. Há trabalhos acadêmicos que defendem que o câmbio é o que mais afeta a inflação brasileira nos últimos anos, por exemplo.

Outras ferramentas do BC:

A taxa SELIC não é, no entanto, a única ferramenta do Banco Central no controle inflacionário e da economia. 

Os bancos comerciais e públicos têm por lei um valor mínimo que deixam depositado junto ao BC, além das reservas que mantêm consigo. Juntas, essas limitam a quantidade recursos que podem ser emprestados.

Bancos, de forma simples, emprestam o dinheiro que recolhem junto a quem poupa, cobrando taxas maiores para empréstimos do que as que remuneram o dinheiro recolhido com os poupadores. Desta forma, eles não criam valor, mas geram spread, que é a diferença dos juros que remuneram a quem empresta e os juros que cobra de quem pega recursos emprestados junto a eles. E desse embate - e de outras operações - geram sua receita.

O Compulsório:

Além disso, os bancos, além de manterem certa quantidade de dinheiro em suas contas, mantêm ainda uma reserva obrigatória de dinheiro no BC. Este valor é conhecido como Depósito Compulsório. Como os bancos dependem de recursos depositados para sua atividade - e tecnicamente têm limites para o total de empréstimos que podem fazer - um aumento no Compulsório, diminui a quantidade total de dinheiro disponível para operações, o que diminui o volume de empréstimos, reduzindo o ritmo de expansão da atividade econômica, já que o crescimento e abertura de novos negócios, bem como o financiamento dos já existentes, fica mais restrito.

O redesconto:

Por último, o BC detém uma outra ferramenta conhecida como redesconto. A ideia é simples. Em uma economia de mercado, o Banco Central funciona como um emprestador de última instância, isto é, quando os bancos comerciais e públicos precisam de dinheiro, podem recorrer a ele para obter esses recursos. Na prática, o dia a dia dos bancos é emprestar dinheiro a um valor mais alto do que aquele que usa para remunerar o que pega emprestado de correntistas e do mercado. 

No fim de cada dia os balanços dessa movimentação, ou seja a diferença entre o que foi emprestado e o que está de fato com o banco, têm de atender objetivos da instituição e legais. Quando isto não acontece, a opção é pedir dinheiro ao Banco Central ou a outro bancos. O BC empresta os valores a fim de que o balanço do banco feche corretamente, evitando problemas em série de compromissos que a instituição devedora tem com outras instituições. 

Como controla os valores pelo qual pode ser feita essa operação, o Banco Central pode incentivar mais liquidez ou menos na economia, bastando para isso alterar os valores de redesconto. 

Todas essas três ferramentas - SELIC, Compulsório e Redesconto - são usadas de acordo com os objetivos do BC e com sua visão da condução da política monetária: metas de inflação e outras medidas afetadas como o valor do câmbio. Todas têm impactos sobre a atividade econômica e nas decisões realizadas por todos os agentes econômicos. E reverberam através do sistema financeiro de forma continua - dos empréstimos consignados, ao financiamento de um imóvel, ou ao valor dos juros do cheque especial.

Não são ideias simples e embora o BC possa simplesmente arbitrar os valores para suas ferramentas da forma que entende ser melhor, ele está atento ao mercado e às necessidades de liquidez e da atividade econômica. O FED - BC dos EUA - tem objetivo declarado de manter a inflação em patamares estabelecidos e defender o emprego. O BC brasileiro é comprometido claramente com metas inflacionárias. Cabe a ele conduzir a política monetária de forma a respeitar os limites da atividade econômica e da dinâmica de preços pretendida. Não é obviamente um trabalho fácil, como mostram os 20 anos subsequentes à adoção do real.

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