Um pouco depois das nove, salvos serão aqueles que creem, e talvez aqueles que não creem decidam passar a fazê-lo: um padre retira a batina, uma freira prende os cabelos, a galinha na granja nem sonha seu destino, quem sabe a encruzilhada de uma rua da grande cidade, quem sabe acompanhada pela batata doce - que não sonha, sabemos - na mesa do triatleta, quem sabe morrer de velhice naquele lugar eternamente ensolarado, cheio de semelhantes, todos brancos, disputando o espaço, esperando a próxima refeição.
Às nove horas da manhã, um incesto, uma bravata, uma história, um taxista, um estudante, nossos ossos, cada baleiro em cada esquina, os consertadores de saltos e sapatos desconfortáveis do centro da cidade, os cocainômanos, os alcoólatras, os independentes químicos, mas dependentes de afagos, de carinhos, de adjetivos, todos nós, retorcidos e comprimidos, sem espaço, sem tempo, sem saber se acreditamos em livre arbítrio, se cremos na cigana, sem ideia se podemos continuar a gastar, se devemos poupar, quem sabe estudar, dormir mais um pouco e quem sabe sonhar, esperamos a luz no próximo momento, a sensação de conforto em meio ao desequilíbrio.
As poças da chuva na rua da Carioca, sabemos são poças da chuva de ontem. Nós, que acordamos hoje e sabemos quem fomos ontem, não conseguimos imaginar o que seremos amanhã - talvez não importe. Esperar, sem se dar conta, sem angústia, equilibrando-se para pegar o ônibus, saltar a poça, conduzir a bicicleta, evitar o banho do guarda chuva alheio, desejando café com bolo na padaria charmosa da atendente que rói unha e deixa ver a alça do sutiã - e é bege - é uma arte que não dominamos.
São difíceis as segundas-feiras, mas são nossas íntimas amigas e velhas conhecidas, do primeiro choro ao dia em terra haverá de comer estes e outros olhos, que tentam, diariamente, nestas segundas-feiras, encontrar conforto no habitual, entusiasmos no que não é do ritual, beleza no roto e já fatigado.
E ainda há verá mais segundas-feiras.
E ainda há verá mais segundas-feiras.
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