Friday 13 June 2014

Voz passiva também é ativa.

A polícia feriu duas jornalistas da CNN durante protestos de ontem em SP ao atirar uma bomba de efeito moral - os estilhaços as acertaram. O Globo, em sua edição de hoje, chamou de acidente. Ainda que não haja intencionalidade - que a PM só quisesse usar a bomba contra um manifestante, como praxe - é preocupante que o jornal do falecido Dr.Roberto qualifique assim uma ação onde há sujeito composto, verbos e complemento para melhores títulos. 
Como por exemplo, na versão simples, sem uso da palavra acidente: "Jornalistas são feridas por bomba usada pela polícia". Esta, com voz passiva, temerosa, mas que implica em alguma culpa dos agentes do Estado ali presentes. 
Com voz ativa poderia ser: Polícia arremessa bomba e fere duas jornalistas. Não há sequer juízo de valor aqui, é apenas o que aconteceu. Não se usou nenhum dos substantivos e adjetivos que identificam e qualificam ações normalmente no jornalismo nosso de cada dia. Não se falou em truculência, resposta desmensurada, desproporcionalidade de métodos, imperícia, imprevidência, tragédia, violência, caos - esta palavra que já deveria ter sido banida do jornalismo. Só foi um título com 2 verbos, 3 substantivos, 1 numeral e uma conjunção. Um período composto de orações com relação de causa e efeito definida. 
Ontem ainda outros colegas foram feridos em situações semelhantes. E segundo o jornal da Família Marinho mais 17 pessoas ficaram feridas nos protestos. Na verdade, a frase acima esconde o óbvio - 17 pessoas foram feridas e não feriram-se, como ora se pretende. 
Ficar ferido - ou se ferir - significa - ou dá a impressão de que é - se autoinflingir um dano, ou, que o ferimento decorre de um ato praticado pelo ferido. Ou seja, 17 pessoas ficaram feridas quer dizer que se atribui a elas "alguma culpa" - indefinida, obviamente - pelo que lhes ocorreu. 
O jornal até hoje não entende os protestos, relembre-se. 
O Globo relata em sua primeira página as vaias e os xingamentos à Presidente. Quando se trata de passar a oração da voz passiva à ativa, o jornal falha. "Dilma é vaiada e xingada" não é apenas o uso fortuito de voz passiva. É a generalização do ato de um grupo de pessoas - 60 mil ou 500 pessoas não deixam de ser um grupo - que tem em comum o fato de ter condições de estar em um estádio de futebol em uma abertura de Copa do Mundo. O sujeito aqui é perfeitamente definido.
Não é necessário ser expert em português ou comunicação para subentender o óbvio: a culpa do ferimento é do ferido - salvo no caso da CNN. A culpa da vaia e dos xingamentos é da Dilma, afinal são 33% de aprovação de seu Governo e grandes chances de ela ser eleita no primeiro turno a um segundo mandato. Dito isso, estes 33% de aprovação e a conjuntura eleitoral ou revelam que o índice não é relevante, ou foi mal composto, ou que as opções disponíveis no horizonte de outubro estão longe de ser relevantes igualmente. 
No caso das jornalistas da CNN, há o agravante: não há erro da polícia.  
Há, sim, um acidente. O raciocínio acima implica no óbvio - ferimento a jornalistas não é bem digerido, embora também não se apontem os óbvios culpados - a PM paulista. O dos manifestantes é resultado de sua própria ação. O dano inflingido à democracia e à possibilidade de um caminho menos tortuoso na melhora das condições de vida e do País é, no entanto, determinado, ativo, claro e perceptível.
Só não compreende isto o jornal O Globo. Tem direito. 
Na vaia em voz passiva e coletiva no estádio da abertura da Copa do Mundo, a voz da Família Marinho é ativa, mas talvez ainda pouco audível. Os recados, não são dados à meia voz, mas ao pé do ouvido. 
São recados dados com objeto direto da voz ativa tornando-se sujeito na passiva. Não é que Dilma tenha sido vaiada. É que Parte do público presente ao estádio vaiou Dilma. E o Globo, que não reconhece nem a truculência policial e nem sua ineficácia, vaiou junto. Não é à toa.

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