Tuesday 10 June 2014

Ele se chamava Paulo

Ele não desatinou como a moça do samba. Ele perdeu-se. 
Dia desses acordou, se vestiu, tomou café, botou a cara de desânimo, foi à rua. Desceu de elevador, saiu do prédio, o porteiro fechou o portão, pé ante pé, sobre a calçada de mais um dia quente, sem sol, mas abafado, suando já um pouco, a cidade passando por ele a grande velocidade.
Não se abalou com os ânimos semelhantes, com os ônibus inigualáveis, com a descrença da maioria. Parou na banca de jornal, observou as manchetes, nada leu, nada importava: nem o futebol, nem a eleição, nem a musa, nem o sangue no olhar do cidadão que ao lado saboreava o noticiário do diário popular.
Seguiu em diante, pegou a condução, não via pessoas, nem se dava conta se eram apenas vultos, absorveu o troco, não disse bom dia ao trocador, sentou-se no fundo, viu a cidade acelerar.
Desceu no ponto em que suas calças já sabiam ser hora, pé ante pé, sapato após sapato, caminhando sobre o calçamento, ombros abaixados, pasta entre o braço e o corpo.
Parou no bicheiro, apostou no burro, passou no botequim, pediu um café, pediu uma cerveja, bebeu lentamente os dois, comeu um pão, ouvia histórias, via a tv ligada, o rádio, não entendia as imagens, não compreendia o som.
Passou o guardanapo na boca, áspero ou liso, não sabia, foi ao espelho, se olhou, não se viu, entrou no banheiro, saiu, mão na carteira, entregou dinheiro, reteve o troco. Ouviu os comentários sobre o futebol.
Pediu mais uma cerveja. Esperou. Viu o tempo mudar, viu um vento bater, as pessoas continuavam cinzas, vultos, sem rosto. Esperou que o tempo mudasse. Tomou a segunda, e ainda não eram nove.
Viu a chuva chegar, a tv falhou, a apresentadora deve ter sumido - não via - a luz piscou, o tempo fechou, o dia virou noite e ele ainda não ouvia nem via nada. Só esperava.
Quando sentiu os pingos no peito, pegou a pasta no chão, botou no balcão, pediu mais uma, pagou todas, terminou aquela, repensou no palpite do bicho. saiu do bar. 
Chegou ao trabalho encharcado, deu 3 passos, dobrou à direita, entrou, desmanchou na cadeira, pingando chuva por todos os poros no chão.
Passou lá as 4 horas seguintes. Saiu só, comeu no botequim do café, empurrou a refeição com cerveja, palitou os dentes antes de tomar mais um café. Pagou, botou o troco na carteira, desceu o degrau do bar, pisou no calçamento, viu um cachorro, viu um gato sobre o saco de cereal no armazém, nada disse, nada mesmo.
Voltou ao trabalho, mais 4 horas na frente dos papéis, mais tempo nos anos em que já mofava no cubículo 2x2 onde procrastinava e esperava uma aposentadoria dali a 20 anos. Esticou-se na cadeira, afrouxou o cinto, deslizou o pé dos sapatos e esperou.
Era terça e faltavam ainda mais 3 dias de repetição para o vazio do apartamento sem plantas, sem animais, só ele, a cama, poucos móveis e um armário, onde ficava aquele mesmo paletó que o esperaria para mais outras segundas e terças, cinzas ou não, com chuva ou sol, de trajeto entre o cubículo onde usava terno e o onde vestia-o de manhã.
Ele se chamava Paulo. E, se pudesse pensar sobre cada uma das coisas daquele dia, também não saberia dizer se tinha escolhido isto. Ele tinha se perdido.

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