Friday 3 July 2015

Você

Você é preto quando é parado pelo policial preto, negro, branco, ou pardo, depende da situação, na rua por atitude suspeita, mas é negro quando compra sua camisa nova na loja cara do shopping. Você provavelmente será preto se chegar à loja mal vestido direto da praia, onde foi preto para a turista no posto nove - estava de sunga e chinelos - e assim foi encarado pela senhorinha do seu lado à espera da abertura do semáforo, que talvez tenha agarrado mais firme a bolsa.
Você normalmente é preto quando vai a um prédio a primeira vez e pode se tornar negro quando o porteiro - nordestino para quem não tem aquele sotaque, paraíba às vezes para outros portadores de sotaque, nortista quando falam sobre você a um não detentor de sotaque - descobre que você é o novo morador do apartamento que estava vago. Você é escuro, se é indefinido, se é aquele faxineiro do mesmo prédio do morador negro, onde também mora a mulata, aquela que é gostosa por definição e pode até ser de alguém.
Você é viado, com aquelas bichas suas amigas quando se joga na noitada - talvez também seja para o taxista, para o segurança da boate ou para aquele rapaz do trabalho que estranha quando você não fala da sua namorada entediante - a dele ao menos parece ser - ou não conhece o puteiro famoso onde ele, sempre que pode, gasta parte considerável do salário. 
Você pode ser bicha, se for má, velha ou caquética. Você pode ser homossexual naquele papo entre a sua mãe e a vizinha, ou no censo, e talvez tenha sido viado para seu pai, para seu irmão, para o playboy vestido de faxineira - aquele bíceps apertado naquele uniforme, hein - que te olhou feio no carnaval quando você se engalfinhava com o bofe da vez.
Daí que você pode ser viado preto quando erra o cruzamento na final do campeonato - o outro lateral também erra, mas ele nem é viado, nem preto, só tem uma mãe desfavorecida de moral condizente com a sociedade de bem que foi ao estádio no domingo. 
Você pode ser negro homossexual na descrição do boletim de ocorrência da agressão que você sofreu no fim da noite, ali perto dos Arcos da Lapa ou no Farmeganistão - e dependendo, ou da luz na sala da delegacia, ou da desatenção do escrivão, pode ser pardo ou escuro, na folha do depoimento. Você pode ser negão bicha - insira aqui a sua pré-definição dessa classificação - viado escuro - idem, embora aparentemente mais raro.
Você pode ser piranha fofa na descrição daquela piranha invejosa - aquela que pegou aquele gato - cachorro, galinha, depende da situação, do zapzap apitar ou não no dia seguinte, ou de você não vê-lo trêbado no baixo com aquela outra piranha inimiga. Você pode ser liberada sexualmente e confortável com sua libido - com culpa ou sem - para aquela sua amiga no papo dela com aquela biscate que namorava seu peguete de ontem.
Pode ser que sim, pode ser que não, pode ser talvez, só não pode faltar adjetivo às frases que, sem verbos, não são frases. Mas sem adjetivos, e seu uso tão condicional, talvez melhores fossem. Boa sexta.

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