Além de recorrente, o corte ou mudança da CLT, assim como a reforma tributária, é sempre apontado como necessário para a retomada da competitividade ou do crescimento econômico. E que, mais à frente, após a subida da íngreme ladeira do ajuste, significaria um alívio para o sacrifício executado.
Em geral, não há consensos claros sobre o que seria alterado e sobre a efetividade de medidas que mudam a relação entre empregados, patrões e governo. Mesmo o setor empresarial diverge sobre quais regras suprimir.
Um dado apontado por alguns economistas ao longo dos nossos últimos anos de bonança foi o aparentemente contraditório aumento da busca de seguro-desemprego e abono salarial, apesar do aumento do número de pessoas ocupadas.
Mais recentemente, parte da diminuição na taxa de desemprego foi creditada à saída de pessoas do mercado de trabalho. Isto porque mede-se o desemprego a partir do número de pessoas sem emprego que estão procurando por ocupação.
Desta forma, quem opta voluntariamente por sair do mercado de trabalho não é contabilizado como desempregado. Ou seja, desemprego voluntário não aumenta a taxa de desemprego de economia, mas diminui o contingente da força de trabalho.
A saída voluntária do mercado não costuma ser benquista por quem estuda a economia. Ainda que a motivação seja o aperfeiçoamento profissional e o indivíduo retorne mais tarde mais produtivo, por algum tempo, a massa de salários e impostos derivados da atividade formal cai.
Hoje a medida de crescimento econômico usada, o PIB, capta mal ou não capta certos tipos de ocupações que não envolvem interação com o mercado de trabalho - formal ou não. Por exemplo, o dia a dia da dona de casa em seus afazeres domésticos não é contabilizado.
Da mesma forma, um estudante ao parar de trabalhar para se aperfeiçoar não contribui diretamente para apuração dos valores do crescimento do que é produzido em um país. Muito embora, ressalte-se que, ao retornar, aquele camarada terá uma qualificação maior, que aumenta sua produtividade, crescendo, assim, sua contribuição à produção total do País.
Ao sair do mercado formal, em geral, é facultado ao trabalhador receber auxílio-desemprego durante um período. Ao mesmo tempo, ele ajuda a diminuir a massa de salários pagos na economia, o volume de riqueza que é produzido e aumenta a despesa do Governo com o pagamento de benefícios.
A queda do desemprego recente não tem a ver apenas com a saída de trabalhadores do mercado, no entanto. É visível que o aquecimento econômico dos últimos anos também redundou numa menor informalidade do emprego - que é tendência desde os anos 90. Dessa forma, mais pessoas passam a ter acesso a benefícios da CLT e mais indivíduos passaram a contribuir para a manutenção da rede de proteção do trabalhador, aumentando o número de contribuições.
A questão mais clara é que, embora o número de pessoas empregadas tenha crescido, houve expressiva alta do número de pedidos de seguro-desemprego. E, embora faça sentido, à medida que a taxa de pessoas desocupadas caiu e foi-se chegando a algo mais próximo do pleno emprego, era esperado que diminuísse o volume de recursos saindo do Tesouro para pagamento desses benefícios, considerando a dinâmica própria do sistema. Isto não aconteceu.
Entre parte dos economistas criou-se um consenso de que há grande volatilidade no mercado de trabalho, sobretudo nos setores em que aumentou o número de postos - notadamente de perfil salarial mais baixo e de mão de obra menos qualificada. Trabalhadores com mais poder de barganha por salários e que têm à disposição maior oferta de vagas mudam mais de emprego.
Por isso, tem-se entendido ser necessário, para ajudar a diminuição do ritmo de crescimento do endividamento do Tesouro, bem como para a redução das pressões salariais sobre a inflação, um freio à extrema mobilidade de trabalhadores entre ocupações.
Veja-se também que o setor de menor renda tem apresentado crescimentos em seus ganhos acima das médias dos de maiores salários, forçando uma distribuição de renda via mercado de trabalho.
Para diminuir a mobilidade entre empregos nas camadas de mais baixa renda, o Governo apresentou projeto que ampliava o tempo necessário de contribuição para a retirada de benefícios trabalhistas. A ideia é criar um incentivo à permanência mais longa em cada vaga e diminuir a volatilidade da mão de obra, diminuindo as transferências de renda via Tesouro para os benefícios e as pressões no nível de salários.
É importante deixar claro que a teoria econômica dita clássica analisa o mercado de trabalho em um embate entre a oferta e a demanda por ocupações em determinado ponto do nível de salários.
À medida em que sobe o nível dos vencimentos, se os empresários têm menos opção de repasse dos aumentos, se não conseguem transformá-lo em preços mais elevados, a tendência é que contratem menos. Dessa forma, o salário é a variável de ajuste entre demanda e oferta de mão de obra. Por isso, a maior mobilidade de trabalhadores é desejável, pois permite o equilíbrio eficiente no mercado.
Este modelo tem, obviamente, alguns fundamentos importantes. O primeiro: trabalhadores não recebem seguro desemprego ou outras rendas que o salário, o que faz com que este seja a variável de ajuste.
Segundo, e fundamental em toda a teoria clássica, que salários sejam perfeitamente flexíveis, ou seja, que diminuam ou aumentem, mudando a oferta e demanda por trabalho.
Terceiro e também importante, que a natureza do trabalho seja indistinta - tanto faz ser garçom ou sapateiro - ou que a capacidade de trabalhadores desempenharem diferentes ocupações seja total - o pedreiro hoje vira cozinheiro amanhã pela simples necessidade.
No mundo real, no entanto, há legislação que mantém algum tipo de rede de segurança para o desemprego e/ou que impede que salários sejam rebaixados. Esta, pela teoria, atrapalha o ajuste perfeito da oferta e demanda de trabalho causando desequilíbrio - que pode se traduzir em inflação ou desemprego.
Há também alguma diferenciação entre as vagas ofertadas, mesmo em empregos de baixa qualificação.
Há, ainda, no modelo, a suposição de que mudanças no nível dos salários são imediatamente percebidas por trabalhadores, que respondem entrando ou saindo do mercado. Obviamente, existe aqui a inobservância de uma cultura a respeito do valor do trabalho e também das condições econômicas que cercam o mercado. É uma enorme simplificação portanto.
Em crises, quando sobe o desemprego, diminuições do nível de salário dificilmente provocam a debandada dos trabalhadores de seus postos, como predestina o mecanismo de ajuste do modelo.
Há contradições e simplificações nesta explicação sobre a dinâmica econômica e sobre o mercado para oferta e demanda de trabalho. Há empresas que são menos intensivas em mão de obra, logo a variável salário é menos importante na oferta de vagas ou na composição de preços.
O curioso é que a matriz do ajuste econômico em curso é a teoria majoritária econômica que é de raiz neoclássica. Então, é entendido o viés pró-equilíbrio autônomo pela correção do sistema de preços - no caso, com a mudança do benefício trabalhista. Porém, ele é também contraditório, pois seu objetivo principal embora totalmente inserido na ortodoxia - o aperto recessivo de contas - tem como um dos propósitos limitar a mobilidade no mercado de trabalho, que pelo modelo clássico, para que o mercado seja eficiente, precisa ser máxima.
Entre a realidade e o modelo vai grande distância. O que está determinando qual medida usar é a necessidade do equilibrar as contas. E por isso, a mobilidade do mercado, para azar do modelo e dos trabalhadores, precisará ser contida.
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